22/04/2009

Fragmentos de textos para criação da dramaturgia do espetáculo "A Caminho de Tar" - inspirado no texto "Fando e Lis" do espanhol Fernando Arrabal

"A Caminho de Tar"


Leandro sempre relativizar as coisas, por exemplo:



TOSO - A Luz está forte.

LEANDRO - Está forte porque você está deste lado, se eu estivesse no exato ponto onde você se encontra e você estivesse no exato ponto onde me encontro, a luz não estaria forte.

MITARO -É, tem razão. Mas então, a luz nunca será a mesma para nós três, a menos que consigamos ocupar o mesmo exato ponto em que nos encontremos.

NAMUR - Sim, a menos que consigamos ocupar o mesmo exato ponto em que... o que?

MITARO - Nos encontremos.

NAMUR - Não nos encontraremos, estaremos.

MITARO - Que seja, a luz apenas será a mesma se acontecer um eclipse.

NAMUR - O que é um eclipse?

MITARO - Eclipse é quando a lua, a Terra e o Sol se alinham completamente...

NAMUR - A felicidade é um eclipse.

TOSO - Isso não faz a menor diferença pra que cheguemos onde precisamos chegar. Será que podemos continuar?


e


MITARO - A coisa (guarda-chuva) é preta.

NAMUR - Quem disse que é preta?

MITARO - Por que? Você não vê preta?

NAMUR - Vejo... Mas será que o meu preto é igual o seu preto?

MITARO - Não sei se tem alguma limitação no funcionamento do meu cérebro, mas não estou entendendo o que está querendo dizer.

NAMUR - Quem foi que disse que o seu preto não é o meu amarelo? E o meu amarelo o seu preto e o meu verde o seu azul?

MITARO - Você está dizendo que o seu rosa é o meu laranja e o meu roxo é o seu marrom?

TOSO - E o seu tudo é o meu nada e que o nada é onde sempre estaremos se não nos pusermos a caminho de Tar.

NAMUR - Estamos apenas tomando as precauções necessarias, afinal você já imaginou se o meu roxo é o seu amarelo, e o seu azul é o meu branco, e o seu...

TOSO (interrompe) -Ai! Como é que vocês não percebem que isso não faz a menor diferença?

MITARO- Mas é claro que faz diferença, esta confusão pode causar até mesmo uma catástrofe nos nossos planos, é praticamente uma armadilha, como é que você não vê uma coisa dessas.

NAMUR - E ainda tem displante de dizer que não faz a menor diferença.

TOSO - É porque não faz.

MITARO - Como pode afirmar que o seu verde não é o meu amarelo o meu branco o seu preto, o meu ouro a sua prata.

NAMUR - Isso, o nosso ouro a sua prata! VEja só que confusão isso pode dar! Ai ai ai.

TOSO - o arco-íris é uma prova de que isso que vocês estão falando não faz a menor diferença.

MITARO - Arco-íris? Então ele acredita na história do pote de ouro no fim do arco-íris!

NAMUR - Não é desse ouro que estamos falando! Deixa ele, ele não nos entende, nunca entende, não entende nada.

TOSO - Vocês é que não entendem, eu falo das cores, as cores do arco-íris comprovam que essa história de meu seu nosso, amarelo, verde, ouro e prata não fazem a menor diferença. O que faz diferença é seguirmos a caminho de Tar.

NAMUR E MITARO - Ele não entende.

MITARO - O Arco- íris não prova nada.

NAMUR - É, não prova nada.

MITARO - MAs talvez ele tenha uma certa razão.

NAMUR - É, talvez ele tenha.


e


Discussão sobre direita e esquerda.

e

FANDO E LIS

Discussão sobre eu e você


IMPRO QUATRO

TOSO (olhando para o chão e depois para o céu)- Qual a distância daqui até ali?

MITARO - Nem muitos Tosos empilhados um em cima do outro seriam suficientes para medir.

FANDO - Nem infinitos Tosos.

TOSO - Por que Tosos?

NAMUR - Pergunta errada, por que infinitos?

TOSO - Por que errada?

MITARO - Por que infinitos?

FANDO - Porque o infinito é o que não sabemos.

TOSO - O infinito não existe.

NAMUR- Então o que não sabemos não existe.

MITARO - Então sabemos tudo.

FANDO - Não, o infinito não é o que não sabemos, infinito é tudo.

MITARO - Como tudo?

NAMUR - Tudo, o espaço, o tempo...

MITARO - Ah, não, essa história de tempo de novo, não.

TOSO - Está bem, vamos então ao que importa, como chegamos lá?

MITARO - Lá onde?

NAMUR - Lá?

FANDO - Céu...

NAMUR - O que?

FANDO - Céu.

MITARO - O quê?

TOSO - Céeeeuuuu.

MITARO - O que é Céeeeuuu?

TOSO - Céu é um dos nomes que dão para o lá.

MITARO - Pro infinito?

TOSO - É, tem esse nome também. Será que existe uma escada que leva para lá?

MITARO - Pra esse céu?

TOSO - É.

FANDO - Não sei.

MITARO - Se não tem, como é que sobe?

FANDO - Mas... a partir de onde que é céu?

MITARO - Antes das nuvens ou depois das nuvens?

FANDO - Se eu pular, já é o céu?

MITARO - Céu é a cobertura do mundo?

TOSO - Não é o teto.

NAMUR - Teto?

MITARO - Sempre achei que Deus morasse na cobertura.

TOSO - Deus? Quem é Deus?

MITARO - Não sei, Quem é deus?

TOSO - Você disse Deus.

MITARO - Não, eu não disse Deus. Quem disse Deus?

NAMUR - Você disse Deus, eu ouvi.

MITARO - Não, eu não disse?

FANDO - Quem disse Deus?

MITARO - Deus é o céu?

FANDO - Não, é o infinito.

TOSO - Mas o infinito não existe.

MITARO - Mas eu queria ir pro céu mesmo assim.


PS: Leandro e Namur são os mesmos.


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