27/10/2008

A DOIS

Até que a morte nos separe? Melhor retirar da lista de presentes todos os ítens com objetos cortantes. E nada de faqueiros para os noivos.
Sempre que algum amigo vem com a notícia de que vai se casar, estampa-se no rosto do ouvinte um sorriso amarelo tentando esconder aquela pergunta que pisca como alerta vermelho e faz som de sirene em sua cabeça: Até quando vai durar a tragédia? - Abraçamos o sujeito, fazemos votos sinceros de felicidade, mas... difícil acreditar neles.
O sonho do véu, grinalda, escovas de dentes em par estão tão vivos ao fim da primeira década do século vinte e um quanto em qualquer viagem que possamos fazer para trás. Não há mulher que não corra na hora do buquê. As que não correm, não o fazem por pura vergonha de sairem de mão vazias. Todas desejam casar, das mais rapazes as mais catitas. E os homens? Estes também continuam com seus anseios de propagação da espécie e porque não dizer, com seu potencial provedor da felicidade e segurança de uma moça e talvez também do seu futuro rebento. Aliás, constituir família é ainda um sonho no âmbito quase imaginário do indivíduo do nosso século. Indivíduo este que vive numa sociedade quase esquizofrênica por seu caráter oscilante. É claro que qualquer período é transitório, mas hoje nada pode mais se encaixar em modelos, mas se ainda se encaixam, que modelos são esses? Casamentos gays, casais a três, filhos de dois pais com duas mães e madrasta a tira colo ou, quem sabe, um casamento daqueles mais tradicionais mesmo, constituído de um indivíduo do sexo masculino, outro do feminino e um filho que ainda não se sabe de que gênero vai nascer ou... escolher.
Independente da forma que tomará esse matrimônio ou família, é uma relação verdadeiramente artesanal essa de se viver junto.
Quando começa o enredo é bacana brincar de ser meu, o meu eu ser seu, dois virarem um, querer parar o tempo e se sentir numa daquelas comédias românticas campeãs de bilheteria. Música tema para o casal! Se não houver, no problem, eles compõem. Ela a letra e ele a música. O dia inteiro juntos, a semana toda grudados, um mês inseparáveis, juras inifinitas de amor eterno, olho no olho, você é mais do que eu poderia imaginar, corpo no corpo, você é minha pra sempre, alma na alma, quero ter um filho seu, seu travesseiro já se misturou com meu e: Casa comigo? Quem pediu nem quer saber se está fazendo a coisa certa e quem ouviu leva um susto mas sabe que é tudo o que quer. Não há o que pensar. Aliás, pensar pra quê se o negócio mesmo é sentir? Sentir que ele é o homem da minha vida, que ela tem que ser a mãe dos meus filhos, que eu gosto do jeito que ela faz um nó com o cabelo e deixa discreta um mecha cair, que ele me acorda com um beijo no meio da noite e de manhã me leva café na cama, a segurança que ele tem de si, o seu jeito descompromissado com a vida, o desgosto pela rotina, o jeito questionador do sistema... seu jeito tão particular de ser. E ela... tão intensa, tão viva, tão curiosa, seu jeito impulsivo de viver como se estivesse desbravando um lugar desconhecido. E está.
Eles se amam, se admiram, se completam, se querem muito, se tem muito e estão decididos a ter bisnetos juntos.
No altar os dois respondem sim e nenhuma alma infeliz ou abençoada aparece com alguma objeção quando padre dá a oportunidade. As mães choram, as irmãs, as amigas, primas sobrinhas, e alguns corações machos mais sensibilizados podem chorar também. Na festa, todo mundo ri, todo mundo bebe, todo mundo dança YMCA. No dia seguinte todo mundo acorda de ressaca e os dois pombinhos partem para a lua de mel.E que de mel seja feita até a volta para o mundo real.
O mundo real... este compreende contas a serem pagas no fim do mês, silêncios largos nos domingos chuvosos, você não conversa comigo, você fala demais, você trabalha demais, você de menos, você larga a toalha molhada em cima da cama, você não fecha o tubo da pasta de dente, você sempre deixa a louça na pia, você sempre quer que eu lave na hora que você decide, você sempre sai em cima da hora, você que tem mania de fazer tudo com um século de antecedência! "Você isso, você aquilo" poderia dar nome ao festival de acusações que faz parte da norma de cobrança dos casais. E por que não avisam que esse negócio de convivência dá um trabalho e tanto? E que a dose diária de autoconfiança do sujeito se tranformaria em prepotência na boca dela e o o descompormisso poético da bela moça se transformaria em irresponsbilidade ao olhar dele?
Parece mesmo estranho, mas temos uma tendência cega de nos misturamos de tal forma que depois de um tempo queremos que aquele admirável mundo novo pelo qual nos apaixonamos se adeque as leis do nosso e assim toda aquela poesia vai se perdendo sem que percebamos. E quando nos damos conta nem sabemos como foi que aconteceu.
É trabalhoso sim e mais que amor é preciso também pra se manter essa convenção casamentícia que os tempos remotos alimentaram nos nossos ideais. Parece tão óbvio falado assim, mas poucos conseguem mais que amar realmente. E tem ainda aquelas palavrinhas que são repetidas sempre: respeito, paciência, compreensão etc. Mas pra que tudo isso aconteça mesmo... uma boa dose de inteligência emocional é necessária e autoconsciência também, porque é difícil a beça não esquecer que o corpo de casal que surge é apenas um de três naquela casa. Ele ainda existe como indivíduo e ela também. E se ele gosta de chegar cedo aos lugares, que saia antes e ela o encontre depois, como faziam no início de tudo isso. Quem foi que inventou esse negócio de que casal tem que andar grudado sempre? Assim, talvez a vida a dois seja realmente vivida a dois, ao invés de forçarem a barra para viver a um. E então, é bem possível que as coisas caminhem mais adiante.
E se não por acaso uma parada venha a ser obrigatória, que sirva como experiência para a vida inteira. E talvez essa seja a maior demonstração de amor eterno que o casal poderia fazer.

elA

10 comentários:

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

haha
excelente, excelente!!!

desde criança, eu digo que não pretendo casar ou ter filhos (adotar, sim). e sou vista, ainda hj, como 'anormal'. não é individualismo, apenas prezo a liberdade, a individualidade, que é diferente...

mas a sua premissa é absolutamente válida! dessa forma, até dá para pensar no caso. rs

beijos procê
parabéns mais uma vez!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

a propósito, permita-me encaminhar seu texto a uns, por email:
coisas boas devem ser divulgadas! =)

tropeços. disse...

oi rafaela, parabéns mais uma vez? rsrsrsrsrsrrs Bom, vc já deve ter lido algum texto da Mel ou da Midraj, mas é a primeira vez que resebo seus parabéns!!!!
Quanto a mandar por e-mail... Divulga o blog! Assim a galera pode dar uma conferida nos outros escritos que postamos aqui.
Beijos e que bom que vc curtiu.

tropeços. disse...

recebo, com "c"

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

oi! não dei parabéns outras vezes?
ops, não foi por falta de oportunidade, mas de atenção.. rs

a propósito, quem são mel e midraj?

o/

REAL SURF disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
tropeços. disse...

Oi Rafaela!
É o seguinte. nós somos três responsáveis pelo blog. elA, Mel, midraj. Eu sou elA... Como você chegou ao nosso blog? Você também tem escritos?

Gabriel Mellin disse...

Um belo retrato das relações nos dias de hoje...Parabéns!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

ai, meu deus! agora fiquei confusa! haha
quem falou comigo, anteriormente?!

bem, eu cheguei ao blog através de um poema q li numa revista, q era da débora. qm é ela? mel? midraj?
ai.. :S
rsrs

tropeços. disse...

hahahahahahahahahhahahaha
essa vertigem é boa!!!!!
Mas vou te dar uma colher de chá, rs (noooossa, pareci uma anciâ falando agora.... colher de chá! rsrsrsrsrs)
Débora é Mel, Alessandra é elA, linn, é midraj!
Procura-se um Mecenas é incrível. Pra mim, é percurso obrigatória pra quem passa nesse blog! Que bom isso, saber que alguém conheceu o blog através da revista!!!!
Beijão,
elA