29/06/2008

Descoisificando...


Difícil é andar sem tropeçar
não doer o joelho quando vai fazer frio
não ter dor de cabeça de fome
nem ficar nervosa quando alguém te pergunta a hora na rua

é sentir e não poder falar
é falar e se arrepender

não consigo enxergar as letras pequenas
nem de perto, nem de longe
nem de perto nem de longe
eu consigo ver vc

eu não ponho a língua no nariz
não levanto uma sobrancelha só
nem consigo deixar um olho só, vesgo.

Acho estranho o carinho
Não entendo o amor
Não sei o que é sentimento
Não gosto de nomes
Gosto de coisas


Qnd era criança na aula de redação, sempre pequei mto pela falta de conexão nos pensamentos. Dos 10 pontos que era a nota máxima. Cinco eram dedicados a função gramatical e coerência textual e os outros cinco a criatividade.
A nota 6 me perseguia. ...


Já não sei porque escrevi isso
Não lembro nome de filme nem de autor
Não sei porque escrevi isso
Aniversário?
Só o meu
Quanto custa?
Isso foi em que ano mesmo, hein?
O que vc acabou de me dizer?


A coisa era algo que me instigava e ao mesmo tempo me acomodava. Mas me pegava por muitas vezes sem saber o que escrever. Que nome dar?

Num papel em branco
Boto a coisa no meio
Ou no meio do papel estava a coisa
Coisa de homem
Ô coisinha tão bunitinha do pai
Preciso te contar uma coisa
São coisas tão difíceis de esquecer
As coisas tem peso
Eu senti uma coisa...
As coisas não tem paz



E a coisa me perseguia e eu sempre acabando por escolher a coisa. Um dia a professora me chamou e leu a minha prova. Ela contou a palavra coisa pelo menos 20 vezes. Uma frase q ecoa no tempo:-Você está proibida de usar coisa
Q prisão! Pensei na hora. Como ia continuar escrevendo, sentindo o que eu colocava em palavras, sem usar a coisa? A coisa era importante pra mim. Era minha mais fiel aliada nos momentos que sensações me embaçavam a razão em dar nomes.Resolvi dar nome as coisas
E assim iniciava-se a primeira redação de reposta a não poder usar a coisa.

“ Pedro andava por um labirinto escuro cheio de tutucas pretas que voavam por cima de sua cabeça. Ele pensava que estava sozinho. Ficou muito surpreso quando começou a ouvir boreticas trombéticas.Pedro tinha um amigo chamado Jonas. Os dois eram melhores amigos. Trocavam informações, segredos, figurinhas e muitas outras corconelas. Aos poucos foi percebendo que aquelas boreticas trobéticas eram de Jonas. Pedro se acalmou...”

Lá estava eu na coordenação de novo, por causa da maldita coisa. Mas se ela agora nem aparecia, justificava eu pra mim mesma
No caminho da sala para a coordenação fui imaginando um suposto dialogo entre eu e a professora de redação.Enquanto andava, meu primeiro discurso revolucionário político mirim começava a existir
-Não professora, não escrevi coisa nenhuma.
-Que palavras são essas?
-São palavras
-Mas palavras que não querem dizer nada.
-Querem, pra mim querem. São palavras inventadas por mim. Então pra mim querem dizer alguma coisa. E se eu contar pra minha turma o que essas palavras significam, não só eu vou saber, mas também mais 18 pessoas, o que quer dizer que 19 pessoas saberão. Tem mais você , então já são vinte.
(Cada vez que eu falava uma coisa lembrava de outra e comecei a falar todas as coisas que vinham na minha cabeça, como se vomitasse coisas)
- se cada uma dessas vinte pessoas contarem para pelo menos uma pessoa, já serão 40 pessoas. Fora as pessoas que são fofoqueiras e vão ficar sabendo. E as pessoas que escutam atrás da porta?

O corredor se esgotava. A porta se aproximava. Já avistava a professora. Olhei um pouco mais a frente e vi a diretora. (esperando alguma COISA vir, pra terminar...)

mel

3 comentários:

João Carvalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Carvalho disse...

Muito bom !! Contestanto desde a escola YEAHHHH!! ABAIXO Esses professores repressores !!!
Excelente criadora de nome de coisas , hoje em dia deve ter um arsenal de nomes!!
bjs Mel

tropeços. disse...

Acho bonita essa coisa de dar coisas aos nomes... Nomes que são seus, e esses significados que são meus. Vou confessar: queria me desapegar dessa coisa chamada palavra e parar de achar que as coisas devem seguir essa lógica tão linear que inventaram pra mim... e eu aceitei. Me prenderam aqui, Mel! Por que eu preciso dessas etiquetas coladas nas coisas pra entender o mundo? E quem disse que o mundo tem que ser entendido? Alguém vai me explicar porque é que a gente tem que ficar rodando em volta daquela coisa que chamaram de Sol? Mel... Mel... Mel... Eu continuo precisando deles. e eles precisam de mim, ou quem irá dizê-los ponto de interrogação

Mel, acho que meu nome é convenção. E o seu? Quebra. Está vendo? Eu preciso dar os nomes...eu preciso dar os nomes eu preciso dos nomes, precisos nomes, preciosos dos nomes que precisam isso que eu preciso.

ELA